segunda-feira, 11 de maio de 2015

A alegria dos outros

É muito mais fácil ficar do lado de quem precisa de nossa ajuda, do que daquele que está feliz, vibrando ao comemorar uma vitória que é só dele.  

Por Charles Feitosa

A primavera chegou em Berlim. Depois de um inverno relativamente ameno, os alemães comemoram dias de sol e céu azul e ocupam animadamente os cafés, terraços e parques. Não são só as flores que vão reaparecendo nas margens do Spree, o rio que corta a cidade. Reaparecem também as crianças e suas brincadeiras, as saias e os t-shirts e, principalmente, dezenas de casais apaixonados pelas esquinas.
A primavera é uma estação em que todo mundo fica feliz. Quase todo mundo. Em um domingo festivo de sol, leio com surpresa o artigo irado de uma jornalista, irritado com a acintosa exibição de felicidade dos casais de namorados nos bancos dos bares, praças e metrô. Fico me perguntando por que a alegria dos outros pode ser tão incômoda. Sabemos que a lógica da inveja se baseia no cálculo comparativo: eu e o outro somos iguais, mas o outro tem algo que eu não tenho, cuja posse eu não apenas desejo, mas também acredito merecer. Daí a raiva e o ressentimento. Seria possível imaginar um mundo em que eu pudesse me “alegrar com o outro”, mesmo ele tendo um bem que eu não possua?
Uma das dificuldades está no próprio regime da alegria. A alegria intensa, aquela dos enamorados, costuma ser total e irrestrita. A alegria tem algo de crueldade, não respeita os limites de ninguém, simplesmente não pode ser escondida. É como o sol, tem de brilhar e pronto. Entretanto, que o brilho da alegria alheia não nos aqueça, mas nos agrida, não é culpa dela mesma. Talvez a dificuldade resida no fato de que a alegria de estranhos nos seja estranha também. Será que se fossem amigos ou parentes, seria mais fácil se deixar contagiar pela sua felicidade?
Infelizmente acontece a mesma coisa na relação entre pais e filhos, entre irmãos ou entre amigos. Ao contrário da sabedoria popular, que afirma como verdadeiros amigos aqueles que se mostram presentes na hora da necessidade e da dor, é muito mais difícil ficar do lado de quem está comemorando uma vitória do que daquele que precisa de nossa ajuda. É o que sugere Nietzsche no parágrafo 499 de Humano, Demasiadamente Humano (1878) ao associar  a amizade não à capacidade de “sofrer com” (Mitleid), mas sim de “alegrar-se com” (Mitfreude). Para Nietzsche, a compaixão esconde um excessivo enamoramento de si mesmo, como se só fosse possível confirmar a própria superioridade e a própria força diante de alguém que está frágil e dependente. A compaixão é parente da inveja.
Talvez estejamos demasiadamente presos a formas de alegria que exigem causas como o prazer de possuir um bem ou o prazer de ver o outro sem bem nenhum. A alegria que nasce da alegria do outro, esse sentimento ainda sem nome, segue outra lógica, um tanto quanto paradoxal, mas plenamente possível: alegrar-se sem as razões e sem as explicações habituais. Em última instância, essa alegria diz respeito à serenidadede deixar que a vida – com suas catástrofes e suas delícias – continue para os outros, mesmo após nossa morte. Como toda alegria, essa forma absurda também tem um clima de primavera, pois traz ar, luz e liberdade de movimento.

Charles Feitosa é doutor em Filosofia pela Universidade de Freiburg I B/Alemanha e autor do livro explicando a filosofia com arte. Ediouro, 2004.



Se a felicidade de outras pessoas tem te causado incômodo, vamos pensar juntos no motivo pelo qual isso acontece?

Psicóloga Stael Rezende (UFSJ) - CRP-04\43387.                           
staelcontato@hotmail.com e starezende2010@hotmail.com
Telefones: (31) 7563-3841 (TIM) – (32) 85139852 (Claro)

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